As Obras
Precisaria de metade dos versos
e quase nenhuma rima
para confrontar o que escrevi
no passado sobre a marca
da luta no meu espírito —
e como ela me deixou cada vez mais
perseverante,
pois são de batalhas
que o sangue do coração
é feito.
Mas agora escrevo apenas para abrir
qualquer livro
de rascunhos disfarçados de poemas
— toscos, é verdade, mas
ainda assim poemas —
com os mesmos pedidos de súplicas
e de preces que já estás cansado
de ouvir.
É assim que a paz de uma
certa melancolia ressurge
no espírito daqueles que prevalecem
sobre o mundo:
o que era dor e lamento
tornam-se, por meio da memória,
a experiência de uma revelação
que, só pela unidade dos fatos
e da própria consciência,
atinge a plenitude dos
meios e dos nossos limites
nesta terra de fogo e ferro
onde o escuro é a única maneira
da luz chegar em algum lugar.
São com estas noites quietas
que imagino o dia em que minh´alma
alcançará a vida justa.
Existirá isto?
Meus próximos terão tal oportunidade — também?
E ela — continuarei a pensar nela,
desejando-a tocar com a insuportável
ânsia de fazer isso como
a prece que pedimos, a última
de nossas vidas?
São perguntas que nem mesmo o fim
da vida — a minha, a sua —
podem responder.
Mas deixe-me fazer as minhas obras
em louvor às Suas.
Deixe-me construir a Catedral
deixe-me ter um pouco daquela salvação
que não transforma a esperança
uma quimera.
Deixe os vivos prevalecerem e os mortos
tropeçarem
para, enfim, o meu trabalho
começar.