“Il Dolore”
ENCONTREI A DOR NAS RIMAS
que cobriam meus pensamentos
e não há como me libertar desse intento
de percorrer o caminho onde a volta
afirma os laços deste lamento
no vislumbre da amada
suficiente para deixar calada
a minha alma e a minha
fala.
Já não há muito o que esperar
das lacunas desse sofrido estilo,
cultivado na paródia do amor;
e o que deveria ser de valor
a quem procura um gentil
pensamento dentro do sutil
verso que um poeta criou na vil
aparência dos fatos, pode ser o penhor
de uma falta de gentileza
aos que desejam crer na pobreza
como os únicos votos a um estranho senhor,
dono da sombra onde mora
o fogo que esta dama adora.
Existiria um rei cuja gentileza
seria aquele ser
no qual a nobre posse era contra ter
o nada como rainha?
Ninguém agarra o mundo pelo simples saber
ou pelo temor de rever
o rapto final que comove
os segredos traçados na linha.
Há a lembrança dos passados que caminham
sobre os riachos da descendência
em que os sangues pares trilham
por entre os ímpares que deixaram
o gene manco da vivência
infantil, batizada na paciência
da chama, multiplicada na indiferença
do sol e criada
pela destruição abastada.
Tomar o mundo pede uma constância clara,
mesmo com a verdade exigindo a terra
para quem morre e quem sempre erra.
Mas quem diz que estas rimas são animadas,
esquece-se do verdadeiro
prazer de ver um corpo nu por inteiro,
em especial da dama que não esteja
mais do lado ligeiro
da saudade errada:
nada é falso se a caminhada
nunca sucumbe, e se manqueja
um pouco é porque tudo que seja
do poder atiça a nobreza
da agonia — a poesia impura
da estátua igual à figura
do seu busto, mármore da natureza.
A vida ataca com firmeza
e o que seria a fortaleza
de seus anseios
são idéias sempre imperfeitas
naquele delírio que somente um asno aproveita.
Deles o poder transforma a tristeza
em euforia e o que seria a alma verdadeira
cede ao que a burrice diz ou queira.
Quem acredita que um asno se enobreça
nesta linhagem pobre
é destituído de qualquer intenção nobre
e, no fim, é um maluco confesso
ou imerso na concha que cobre
a ordem, desejosa que a luz apareça
fora do seu tempo e que cresça
um tal de redentor expresso.
Acredito que me apresso
ao aceitar estes vilões
e este redentor. Que importa o seu nascimento
se sequer enxergamos este momento?
Destruíram o corpo dos cristãos
para manter o grupo são,
mas será tudo em vão,
pois a morte de um povo
não muda o espírito, onde tudo é novo
e tudo é presente naquele “memento
mori”, na cruz pela qual todos vêm
e une apenas as pessoas de bem.
E este bem nasce principalmente
de uma triste e aguda raiz
chamada Amor e ela nunca faz feliz
aquele que, em suas decisões,
imagina falsear o que diz,
enganando a solidão consciente
de ir ao fim das coisas, sempre prudente,
em quaisquer ações.
Tudo em suas expressões
me faz crer que o bem no seu feito
de senhora levou ao mal
daquela despedida cabal:
não se pode ter um mínimo de conceito
nestes dias em que o efeito
de uma palavra é dissipado
no engano perfeito.
E em qualquer boca que se reparte
a saliva do prazer nesta parte
da raiz é pouca na soma do seu total
porque o que sua alma iguala
é a dor que congela a minha fala.
Entristece-me ver sua virtude
ir embora naquela
gentileza tola que sufoca o seio de sua estrela.
Seria por isso que mantenho meu verso?
As rimas que encontrei são belas
porque guardam em miúdos
os ossos, os músculos e as fezes rudes
que impedem o mundo de ter o seu reverso.
E enquanto nesta canção eu converso
para descobrir a verdade da nobreza,
lembro que ela me disse:
a espera não é uma tolice,
se sua intenção é manter essa nobreza.
Mas como continuar nessa certeza,
se a desgraça está na madureza
deste outro mundo que somente propicia
a facilidade da desarmonia?
Fique onde está e se visse
o que vi, querida, a sua bonança
seria o que Deus pediu por tal confiança.
É com a dor que a alma se engrandece
e da morte o sabor guardado
prova que, na vida, não se aprende como o combinado,
exceto o corte
sem cicatrização e sem nenhum cuidado.
Tudo parece
ser não sendo e se de sentido carece
cada vez mais, é por causa do porte
daqueles que defendem o baixo pelo forte,
enquanto a dama coberta de louvores
no passado, agora tem a queda completa:
apresentam-se com a maldade discreta
e aos falsos banidos mostram os seus valores,
exigindo ocultos favores.
Nestas rimas não se encontram flores,
e espinhos só da parte
do Deus que, na vingança e na retribuição, reparte
o amargo amor: a união repleta
aprecia dos tempos passados
os pecados cuspidos pelo seu sangue comungado.
Que esta canção sobre os que erraram
e os que voltaram
contigo parta
e se o seu coração ainda tem vida
pelo meu verso com todo o seu mister
deixe-me no silêncio dizer:
“Já não há mais nobreza, minha querida”.
XI/XII/MMI–XXVIII/I/MMII [1a versão]
VI/MMVII [2a versão]
M.V.C.
S.D.G.