Os melhores de 2018

Martim Vasques da Cunha
6 min readDec 18, 2018

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LENDO AS CINZAS DO AMANHÃ
(inspirado no livro A Leitura das Cinzas, de Jerzy Ficowski)

Comece pelo primeiro poema
cheio de arrependimento
depois encontre a biografia as datas
os nomes os fatos a Shoah
(mais uma?) Lá não há nada
dentro Nem fora
Mas ao menos você encontrará um
livro
pequenino
vivo
pleno de seu autor
a refletir sobre a extinção
da memória Lido
por outro autor
habitante de uma nação
sem lembrança A pólvora do passado
explode em fragmentos sons
Não não há nada (de)mais nestes versos
tão pungentes
Exceto o
amanhã

(E isto
basta.)

LIVROS:

  • A leitura das cinzas (Jerzy Ficowski, Âynié): obra-prima concentrada, poderosa e minimalista sobre um dos grandes traumas da humanidade.
  • Recusa do Não-Lugar (Juliano Garcia Pessanha, Ubu): reflexão dilacerante sobre o fato de que não passamos de Meisters Eckharts de shopping-center.
  • A Trama da Natureza (Pedro Paulo Pimenta, Unesp): quando a direita que chegou ao poder aprender a escrever este tipo de livro de filosofia, a gente começa a conversar, talquei?
  • A França contra os robôs (George Bernanos, É Realizações): o profeta francês vendo o nosso futuro — e, sim, ele significa o assassinato do nosso espírito.
  • A Musa no Exílio (Joseph Brodsky, Âynié): qualquer conversa com Brodsky é uma lição de vida sobre a generosidade e o milagre da poesia.
  • A política da fé e a política do ceticismo (Michael Oakeshott, É Realizações): livro fundamental para se entender o Brasil dos próximos quatro anos.
  • Lincoln no Limbo (George Saunders, Companhia das Letras): um romance insólito que mostra que toda a decisão política é inevitavelmente trágica.
  • Eufrates (André De Leones, José Olympio): com este romance, De Leones torna-se o nosso Henry Miller.
  • A Biblioteca Elementar (Alberto Mussa, Record): René Girard transposto para os primórdios brasileiros e com rigor matemático.
  • Contra um Bicho da Terra Tão Pequeno (Erico Nogueira, É Realizações): Um Tácito tarado pela técnica transferido para a terra brasilis.
  • Claridade (Renato Moraes, Record): Um Evelyn Waugh sem o sarcasmo, sem a ironia, mas que preserva a operação da graça divina sobre todos nós. É o suficiente.
  • Problemas inculturais brasileiros (Osman Lins, UFPE): Registro lúcido de uma carnificina silenciosa.
  • Direitos Máximos, Deveres Mínimos (Bruno Garschagen, Record): o mergulho na nossa moléstia tupiniquim, feito de um modo claro e direto.
  • Ciência, Religião e Naturalismo — Onde está o conflito? (Alvin Plantinga, Vida Nova): junto com Crença Cristã Avalizada, a Vida Nova publicou duas obras-primas deste filósofo que deveria ser lido com mais atenção antes de você decidir entrar de cabeça nas besteiras escritas por Yuval Noah Harari.
  • Nas sombras do amanhã (Johan Huizinga, Caminhos): testemunho do fim de um mundo.
  • O Julgamento das Nações (Christopher Dawson, É Realizações): testemunho do início de um novo mundo (mas que ainda não nasceu).
  • Do Reino Nefasto do Amor-Próprio (Andrei Venturini Martins, É Realizações): tese impecável sobre Blaise Pascal.
  • Samurai (Shusaku Endo, Tusquets): mais um grande romance deste gênio da raça que é Endo.
  • Silence and Beauty (Makoto Fujimura, IVP Books): um novo modo de olhar (e praticar) a arte moderna neste mundo desencantado.
  • O Cristo Pantocrator (Wilma Steagall de Tommaso, Ed. Paulus): uma obra essencial para se entender a arte sacra brasileira.
  • 2001 — Uma Odisseia no Espaço: Stanley Kubrick, Arthur C. Clarke e a criação de uma obra-prima (Michael Benson, Todavia): um livro impecável e minucioso sobre este enigma cinematográfico que foi lançado há 50 anos.
  • Da Prosa (Hilda Hilst, Companhia das Letras): um tanto inferior em comparação à sua obra poética, mesmo assim a obra narrativa de HH aborda certas questões metafísicas com uma tal seriedade que o Brasil ainda não conseguiu entendê-la por completo.
  • A alma da marionete (John Gray, Record): um livro sucinto sobre o que significa ter alguma liberdade interior em um mundo que já se esqueceu dela há muito tempo.
  • Skin in the game (Nassim Nicholas Taleb, Random House): o elogio ao erro, sempre chamando a atenção para que não se caia na ruína.

FILMES

  • The Other Side of the Wind (Orson Welles): o que dizer quando se descobre um trabalho perdido do Michelangelo do cinema?
  • Phantom Thread (Paul Thomas Anderson): uma obra-prima absoluta.
  • 15:17 para Paris (Clint Eastwood): O homem que masca arame farpado brincando de ser Eric Rohmer.
  • Lazzaro Felice (Alice Rohrwacher): Parábola cristã sobre esses tempos em que os lobos são os príncipes deste mundo.
  • First Reformed (Paul Schrader): a cena final deste filme faz todo o Roma, de Alfonso Cuáron, parecer um trabalho de jardim de infância.
  • Missão Impossível: Fallout (Christopher McQuarrie): a poesia da ação em estado mais do que puro.
  • A Morte de Stalin (Armando Iannucci): depois de Dr. Fantástico, o melhor filme de humor-negro já feito.
  • Sem Amor (Andrey Zvyagintsev): a Mãe Russa sempre anda para trás, ao imaginar que olha sempre para a frente.
  • Hold the Dark (Jeremy Sauvier): este filme começa com uma epígrafe de Gerard Manley Hopkins. Não tem como dar errado.
  • Detroit (Kathryn Bigelow): de novo, é uma mulher que nos dá uma aula de tensão dramática neste ano de 2018.
  • You were never really there (Lynne Ramsey): Joaquim Phoenix em estado de graça.
  • Avengers: Infinity War (Joe & Anthony Russo): um filme bem irregular — até o momento em que você assiste um dos finais mais perturbadores da história dos blockbusters cinematográficos.

SÉRIES:

  • Wild, Wild Country (Maclain & Chaplain Way): O registro impecável (e implacável) do que acontece em qualquer tipo de seita.
  • The Vietnam War (Ken Burns): “A Tristeza e a Piedade” do império americano.
  • Daredevil — 3a temporada (Eric Oleson, showrunner): Uma despedida maravilhosa.
  • The Looming Tower (Dan Futterman, showrunner): O 11 de setembro visto como se fosse uma tragédia grega.
  • The Handmaid´s Tale (Bruce Miller, showrunner): a segunda temporada radicaliza na opressão totalitária em relação à primeira, com todos os altos e os baixos que isto implica.
  • Sharp Objects (Jean-Marc Valée): uma perturbadora descida ao inferno da memória, com a melhor descoberta do ano — Elisa Scanlon.
  • Patrick Melrose (Edward Berger & David Nicholls): Benedict Cumberbatch em estado de rapto divino (e baseado no esplêndido ciclo de romances escritos por Edward St. Aubyn).

DISCOS:

  • More Blood, More Tracks (Bob Dylan): o making-of de uma obra-prima — no caso, Blood On The Tracks (1975) — é também, por si só, uma obra-prima.
  • Marauder (Interpol): o rock não morreu.
  • Springsteen on Broadway (Bruce Springsteen): o rock não morreu, não senhor, e faz piadas, chora quando fala do pai, tomba quando faz discurso anti-Trump e termina sua apresentação sempre com um “Pai-Nosso”.
  • Art of Doubt (Metric): os anos 1980 não morreram.
  • You´re Driving Me Crazy (Van Morrison): Van the Man em um disco de jazz impecável.
  • High as Hope (Florence and the Machine): agora que ninguém se importa com Florence Welch, ela resolveu fazer o seu álbum mais singelo.
  • Welcome to the Blackout (David Bowie): o registro da melhor turnê feita pelo Thin White Duke.
  • Antologia Politicamente Incorreta do Anos 80 (Lobão & Os Eremitas da Montanha): a nostalgia sendo virada pelo avesso.
  • Look Now (Elvis Costello and the Attractions): o retorno de Elvis, o sobrevivente.
  • Negative Capability (Marianne Faithfull): com a ajuda de Nick Cave e Warren Ellis, Marianne pratica o que sabe fazer de melhor: refletir sobre o seu próprio fim (e o dos outros).
  • Colors (Beck): o gênio da música pop prestando homenagem à dupla MGMT.

Um Feliz Natal e um Próspero 2019 a todos os meus leitores!

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Martim Vasques da Cunha
Martim Vasques da Cunha

Written by Martim Vasques da Cunha

“My task which I am trying to achieve is, by the power of the written word, to make you hear, to make you feel — it is, before all, to make you see”. J. Conrad

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