Os melhores de 2018
LENDO AS CINZAS DO AMANHÃ
(inspirado no livro A Leitura das Cinzas, de Jerzy Ficowski)
Comece pelo primeiro poema
cheio de arrependimento
depois encontre a biografia as datas
os nomes os fatos a Shoah
(mais uma?) Lá não há nada
dentro Nem fora
Mas ao menos você encontrará um
livro
pequenino
vivo
pleno de seu autor
a refletir sobre a extinção
da memória Lido
por outro autor
habitante de uma nação
sem lembrança A pólvora do passado
explode em fragmentos sons
Não não há nada (de)mais nestes versos
tão pungentes
Exceto o
amanhã
(E isto
basta.)
LIVROS:
- A leitura das cinzas (Jerzy Ficowski, Âynié): obra-prima concentrada, poderosa e minimalista sobre um dos grandes traumas da humanidade.
- Recusa do Não-Lugar (Juliano Garcia Pessanha, Ubu): reflexão dilacerante sobre o fato de que não passamos de Meisters Eckharts de shopping-center.
- A Trama da Natureza (Pedro Paulo Pimenta, Unesp): quando a direita que chegou ao poder aprender a escrever este tipo de livro de filosofia, a gente começa a conversar, talquei?
- A França contra os robôs (George Bernanos, É Realizações): o profeta francês vendo o nosso futuro — e, sim, ele significa o assassinato do nosso espírito.
- A Musa no Exílio (Joseph Brodsky, Âynié): qualquer conversa com Brodsky é uma lição de vida sobre a generosidade e o milagre da poesia.
- A política da fé e a política do ceticismo (Michael Oakeshott, É Realizações): livro fundamental para se entender o Brasil dos próximos quatro anos.
- Lincoln no Limbo (George Saunders, Companhia das Letras): um romance insólito que mostra que toda a decisão política é inevitavelmente trágica.
- Eufrates (André De Leones, José Olympio): com este romance, De Leones torna-se o nosso Henry Miller.
- A Biblioteca Elementar (Alberto Mussa, Record): René Girard transposto para os primórdios brasileiros e com rigor matemático.
- Contra um Bicho da Terra Tão Pequeno (Erico Nogueira, É Realizações): Um Tácito tarado pela técnica transferido para a terra brasilis.
- Claridade (Renato Moraes, Record): Um Evelyn Waugh sem o sarcasmo, sem a ironia, mas que preserva a operação da graça divina sobre todos nós. É o suficiente.
- Problemas inculturais brasileiros (Osman Lins, UFPE): Registro lúcido de uma carnificina silenciosa.
- Direitos Máximos, Deveres Mínimos (Bruno Garschagen, Record): o mergulho na nossa moléstia tupiniquim, feito de um modo claro e direto.
- Ciência, Religião e Naturalismo — Onde está o conflito? (Alvin Plantinga, Vida Nova): junto com Crença Cristã Avalizada, a Vida Nova publicou duas obras-primas deste filósofo que deveria ser lido com mais atenção antes de você decidir entrar de cabeça nas besteiras escritas por Yuval Noah Harari.
- Nas sombras do amanhã (Johan Huizinga, Caminhos): testemunho do fim de um mundo.
- O Julgamento das Nações (Christopher Dawson, É Realizações): testemunho do início de um novo mundo (mas que ainda não nasceu).
- Do Reino Nefasto do Amor-Próprio (Andrei Venturini Martins, É Realizações): tese impecável sobre Blaise Pascal.
- Samurai (Shusaku Endo, Tusquets): mais um grande romance deste gênio da raça que é Endo.
- Silence and Beauty (Makoto Fujimura, IVP Books): um novo modo de olhar (e praticar) a arte moderna neste mundo desencantado.
- O Cristo Pantocrator (Wilma Steagall de Tommaso, Ed. Paulus): uma obra essencial para se entender a arte sacra brasileira.
- 2001 — Uma Odisseia no Espaço: Stanley Kubrick, Arthur C. Clarke e a criação de uma obra-prima (Michael Benson, Todavia): um livro impecável e minucioso sobre este enigma cinematográfico que foi lançado há 50 anos.
- Da Prosa (Hilda Hilst, Companhia das Letras): um tanto inferior em comparação à sua obra poética, mesmo assim a obra narrativa de HH aborda certas questões metafísicas com uma tal seriedade que o Brasil ainda não conseguiu entendê-la por completo.
- A alma da marionete (John Gray, Record): um livro sucinto sobre o que significa ter alguma liberdade interior em um mundo que já se esqueceu dela há muito tempo.
- Skin in the game (Nassim Nicholas Taleb, Random House): o elogio ao erro, sempre chamando a atenção para que não se caia na ruína.
FILMES
- The Other Side of the Wind (Orson Welles): o que dizer quando se descobre um trabalho perdido do Michelangelo do cinema?
- Phantom Thread (Paul Thomas Anderson): uma obra-prima absoluta.
- 15:17 para Paris (Clint Eastwood): O homem que masca arame farpado brincando de ser Eric Rohmer.
- Lazzaro Felice (Alice Rohrwacher): Parábola cristã sobre esses tempos em que os lobos são os príncipes deste mundo.
- First Reformed (Paul Schrader): a cena final deste filme faz todo o Roma, de Alfonso Cuáron, parecer um trabalho de jardim de infância.
- Missão Impossível: Fallout (Christopher McQuarrie): a poesia da ação em estado mais do que puro.
- A Morte de Stalin (Armando Iannucci): depois de Dr. Fantástico, o melhor filme de humor-negro já feito.
- Sem Amor (Andrey Zvyagintsev): a Mãe Russa sempre anda para trás, ao imaginar que olha sempre para a frente.
- Hold the Dark (Jeremy Sauvier): este filme começa com uma epígrafe de Gerard Manley Hopkins. Não tem como dar errado.
- Detroit (Kathryn Bigelow): de novo, é uma mulher que nos dá uma aula de tensão dramática neste ano de 2018.
- You were never really there (Lynne Ramsey): Joaquim Phoenix em estado de graça.
- Avengers: Infinity War (Joe & Anthony Russo): um filme bem irregular — até o momento em que você assiste um dos finais mais perturbadores da história dos blockbusters cinematográficos.
SÉRIES:
- Wild, Wild Country (Maclain & Chaplain Way): O registro impecável (e implacável) do que acontece em qualquer tipo de seita.
- The Vietnam War (Ken Burns): “A Tristeza e a Piedade” do império americano.
- Daredevil — 3a temporada (Eric Oleson, showrunner): Uma despedida maravilhosa.
- The Looming Tower (Dan Futterman, showrunner): O 11 de setembro visto como se fosse uma tragédia grega.
- The Handmaid´s Tale (Bruce Miller, showrunner): a segunda temporada radicaliza na opressão totalitária em relação à primeira, com todos os altos e os baixos que isto implica.
- Sharp Objects (Jean-Marc Valée): uma perturbadora descida ao inferno da memória, com a melhor descoberta do ano — Elisa Scanlon.
- Patrick Melrose (Edward Berger & David Nicholls): Benedict Cumberbatch em estado de rapto divino (e baseado no esplêndido ciclo de romances escritos por Edward St. Aubyn).
DISCOS:
- More Blood, More Tracks (Bob Dylan): o making-of de uma obra-prima — no caso, Blood On The Tracks (1975) — é também, por si só, uma obra-prima.
- Marauder (Interpol): o rock não morreu.
- Springsteen on Broadway (Bruce Springsteen): o rock não morreu, não senhor, e faz piadas, chora quando fala do pai, tomba quando faz discurso anti-Trump e termina sua apresentação sempre com um “Pai-Nosso”.
- Art of Doubt (Metric): os anos 1980 não morreram.
- You´re Driving Me Crazy (Van Morrison): Van the Man em um disco de jazz impecável.
- High as Hope (Florence and the Machine): agora que ninguém se importa com Florence Welch, ela resolveu fazer o seu álbum mais singelo.
- Welcome to the Blackout (David Bowie): o registro da melhor turnê feita pelo Thin White Duke.
- Antologia Politicamente Incorreta do Anos 80 (Lobão & Os Eremitas da Montanha): a nostalgia sendo virada pelo avesso.
- Look Now (Elvis Costello and the Attractions): o retorno de Elvis, o sobrevivente.
- Negative Capability (Marianne Faithfull): com a ajuda de Nick Cave e Warren Ellis, Marianne pratica o que sabe fazer de melhor: refletir sobre o seu próprio fim (e o dos outros).
- Colors (Beck): o gênio da música pop prestando homenagem à dupla MGMT.
Um Feliz Natal e um Próspero 2019 a todos os meus leitores!