Personae
Se te ofereceste de
presente a minha
sombra, o que farias?
Venderias no templo?
Repartirias com os pobres?
Enquadrarias em um museu?
“Para cada escuridão
abandonada, deixe
uma porta aberta” -
foi tua sugestão.
Ah, se, ao tivesses a minha
treva, pudesses ser a
luz que gravas os passos
trôpegos do meu caminho,
será que entenderias que
também teria de ter a
tua treva? Ou então
acreditas que a luz é
visível por uma claridade
que recobre somente
teus gestos e olhares?
Não. A luz desejada
pela tua mente não é a
que o teu coração consente;
abras então a porta deste
último, esqueças dos atalhos
do teu pensamento, do
teu enxame de idéias.
Sei porque vim e sei
que as trevas somente
são uma parte, nunca
o Todo. Mas — e tu?
Tu oferecerias minha
sombra aos vendilhões,
aos amantes da tua carne
e do teu mundo. Não
compreendes que este é
o verdadeiro presente?
Que não podes ser mais
devolvido? Pois é tudo
o que tenho e se não o
aceitas, também não me
terás. A viagem deveria
terminar por aqui.
Ainda espero, prenhe
na escuridão mais
fecunda, que compreendas
o que te foi dado.